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Os novos mitos - a rebelião da Alma

No contexto das organizações, a Alma foi se cristalizando, pouco a pouco, a cada conflito frio ou quente que acontecia entre os heróis e as heroínas, os patriarcas e as matriarcas. Ao longo do tempo, o poder cultivado por esse Game of Thrones, criou o palco para a cristalização dos papeis padronizados e dicotômicos, como já entendemos.

O que começa a ocorrer no mundo de hoje, entretanto, sem que as organizações tenham ainda se dado conta, é que alguns movimentos não percebidos ainda, de forma muito clara, dão sinais de que as normas sociais vêm sendo rompidas num ritmo mais acelerado e ecoado, em suas estruturas.

Esses movimentos têm quebrado regras das mais primárias com relação ao convívio social, instituídas ainda no tempo dos gregos, a partir da Ágora. Os exemplos são muitos, Netflix, Uber, Airbnb, ou até mesmo o camelô que se posta na frente de uma loja. Independente do enfoque financeiro que carregam e do fato de serem grandes ou pequenos atos, essa energia de rebeldia que vai contra o status quo, é fruto da rebelião da nossa personagem a Alma – trata-se de um esforço desesperado e desordenado para que ela comece a se soltar dos grilhões que a prendem, e restaurar sua energia criativa primordial.

Que energia é essa que tem o poder de quebrar todas as regras? E por que ela sempre se contrapõe àquilo que de alguma forma parece imobilizado, é mais um paradoxo da nossa existência.

Como diz José Ortega Y Gasset, em “A Rebelião das Massas”, tudo isso nos leva a refletir que essas aparentes contradições é que estimulam o nosso espírito crítico, reflexão que costuma ser evitada dentro das organizações formais. O fato é que quando as empresas não reconhecem esses atos de resistência individuais ou coletivos, ignorando suas fortes manifestações, elas tendem a perder em criatividade.

Quando as regras visam restringir ou banir essa energia, elas matam a Alma, gerando grupos de sabotadores que na menor oportunidade falam mal da organização ou fazem coisas que não se alinham com a ética, ocasionalmente. Sob a ótica dos insubordinados, o que está implícito é a tentativa de indicar que os caminhos oficiais estão se tornando frios ou “sem alma”, como sustenta a famosa expressão.

No fundo, todos esses movimentos são de libertação da Alma, já que sua força arquetípica é que pode manter viva a cultura das organizações, trazendo novo significado aos papéis desempenhados por seus lideres. A liberação dessa força de vida independe de gerações ou idade. Passa pelo acesso a alguns arquétipos que foram exilados e que podem reequilibrar e tornar mais saudável o ambiente social e organizacional. Ou seja, para que possamos ser inteiros, é preciso reintegrar aspectos enviados para a sombra, exatamente como começa a ocorrer com esses mitos que hoje ganham contornos mais nítidos, novamente, graças a esse despertar da Alma.

Os novos ‘velhos’ arquétipos

Atravessamos no momento atual incertezas e polarizações, que pouco a pouco vão liberando alguns arquétipos do exílio, na urgência de encontrar alternativas para os paradigmas a que temos sido submetidos diariamente. Diria mesmo que o nosso olhar mais equânime para os gêneros e para o ser humano, em geral, tem sido o grande responsável pelos downloads que temos feito para tirá-los da sombra e inseri-los na atual conjuntura.

Um dos que começa a se fazer presente, embora ainda não seja nominado da grande maioria, é o do Xamã (caçador-malandro). Ele viveu durante muito tempo nos ossos e no espírito dos homens, e por esse motivo, é que talvez venha sendo um dos mais acionados pela Alma. Isso porque, com sua natureza espiritual e animal, ele oferece uma perspectiva pós-heróica e pós-patriarcal na medida em que não considera as coisas de maneira tão distintas ou separadas, tais como o pensamento da emoção ou a mente do corpo. Com uma natureza que acolhe qualidades contraditórias, ele é bom e cruel ao mesmo tempo, altruísta e egoísta e dessa maneira consegue equilibrar opostos e paradoxos, trilhando uma via mais igualitária para a humanidade. É o mais antigo dos arquétipos.

O correspondente feminino ao Xamã (caçador-malandro) são as irmãs Sagradas, que dominavam o segredo das plantas, a época das estações e o mistério da fertilidade. Sábias, elas descobriram o segredo dos grãos e começaram a planejar conscientemente o que a natureza fizera antes por acidente, conforme sustenta Allan Chinen, em “Além do Herói – histórias clássicas de homens em busca da Alma”.

Mas é o arquétipo masculino que mais nos interessa no momento, entretanto. É ele que quebra as regras e assume as consequências de suas ações. Na linguagem psicológica, o Xamã (caçador-malandro) torna a sombra consciente evitando que seus impulsos mais sinistros atuem. Ele previne o desastre. E nunca justifica suas ações com explicações ideológicas que visam enganar de alguma forma. Conforme Chinen, ele apresenta questões que o herói e o patriarca tentam ocultar, e por isso, as tradições patriarcais o reprimem... muitas vezes parecem maus e egoístas...; no entanto, estão fundamentalmente do lado da vida e da criatividade.

Chinen demonstra ainda que, embora possa parecer esotérica, a existência do Xamã (caçador-malandro) permeia a fantasia e os sonhos dos homens, especialmente na meia-idade, já que ele representa a voz masculina dos sentimentos verdadeiros e explora novas formas de viver. Ele expressa a psicologia dos homens maduros, ajuda-os a lidar com o lado sombrio da vida, com a inveja, a frustração e o desespero... usa o humor para desintoxicar a cólera e a agressividade dos homens, ao contrário do herói e do patriarca que as glorificam.

O Xamã (caçador-malandro) representa um arquétipo masculino normalmente oculto no inconsciente....Exatamente no instante em que os homens de fato se aventuram para além do herói, tropeçando em confusão, surge o Xamã (caçador-malandro) para tornar-se o mentor, o terapeuta, o mestre e companheiro...

Provavelmente, sob a influência do Xamã (caçador-malandro), executivos homens e mulheres estão optando por não mais participar das aventuras organizacionais a qualquer preço. Imbuídos desse ímpeto de se afastarem dessa luta de vida ou morte, e de irem de encontro ao que desejam verdadeiramente, partem à procura de empresas pertencentes ao Sistema B, ao capitalismo consciente ou tentam entender como contribuir com modelos evolucionistas, que sustentam a autogestão e a plenitude de seus colaboradores.

Serão esses os novos campos de batalhas?

Em nosso atual inconsciente coletivo, começa a prevalecer um comportamento mais inclusivo, mais integrado ao nível individual e que consequentemente, se reflete numa busca exterior também de maior equilíbrio, panorama no qual cabem outros arquétipos de natureza sábia e integrativa.

Como então empreender mudanças que levem a novos modelos de comportamento dentro das organizações?

Ou melhor, como as organizações podem abrir espaço para que a Alma possa resgatar esses outros arquétipos que têm condições de reintegrar aspectos ocultos, porém criativos, para o ambiente? E nesse caminho, restaurar o equilíbrio ausente do nosso Game of Thrones?

Do ponto de vista das organizações, que continuam a ignorar o que está acontecendo nesse mundo periférico, um ponto de partida seria mapear o grau de cristalização da Alma e reconhecer os movimentos de libertação em seus próprios espaços, de forma a arejar o ambiente e deixar os novos-velhos arquétipos serem reconhecidos enquanto possíveis catalisadores de uma transformação que já está atrasada.

Como seria transformar os mitos ou arquétipos que nos influenciam e que há muitos milênios estão embrenhados em nossas Almas ?

Estará esse universo pronto para uma transformação dessa magnitude? Quais seriam então os caminhos que as organizações devem trilhar?

Como fazer downloads desses arquétipos que foram exilados e permitir que eles imprimam um novo rumo à trajetória organizacional?

Que outros papeis serão possíveis para executivos a partir dessa reintegração e do reconhecimento de sua Alma? Será possível ainda libertar a nossa Alma ?

Acompanhe a segunda temporada de nossa saga.


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